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Inovação ou perda do calor humano nas festas juninas?
IA na publicidade gera debate após prefeitura usar Veo 3 para festa junina
05/06/2025, 21:45
A cidade de Ulianópolis, no interior do Pará, se tornou o centro de um debate acalorado sobre o futuro da comunicação digital no Brasil. A prefeitura local decidiu usar tecnologia de inteligência artificial na publicidade para divulgar sua festa junina, criando um vídeo completamente sintético que impressionou pela qualidade, mas gerou controvérsias sobre os impactos sociais e éticos dessa escolha.
Como a IA transformou a publicidade municipal
A inteligência artificial na publicidade chegou às pequenas cidades brasileiras de forma surpreendente. O caso de Ulianópolis demonstra como ferramentas avançadas como o Veo 3, da Google, podem criar conteúdo audiovisual de alta qualidade sem a necessidade de equipes tradicionais de produção.
O processo criativo envolveu três etapas principais:
Uso do ChatGPT para desenvolver prompts detalhados;
Mais de 80 tentativas com o Veo 3 para gerar os vídeos;
Edição no Adobe Premiere e After Effects para o resultado final.
O vídeo produzido apresenta qualidade cinematográfica, com cenários juninos detalhados, personagens realistas em trajes típicos e narração em português sem sotaque robótico.
Os custos e benefícios da tecnologia
Uma das questões centrais do debate é o aspecto financeiro. O Veo 3 custa entre R$ 96,99 e R$ 1.209,90 por mês, valor que pode ser mais acessível para uma prefeitura do que contratar uma equipe completa de produção audiovisual. Para gestores públicos com orçamentos limitados, essa tecnologia representa uma oportunidade de criar materiais promocionais profissionais com investimento reduzido.
Entretanto, essa economia levanta questões importantes sobre o impacto no mercado de trabalho local. Profissionais como atores, figurinistas, cinegrafistas e técnicos de som ficaram de fora do processo, perdendo oportunidades de renda e desenvolvimento profissional.
A reação dos profissionais criativos
A resposta da comunidade artística foi imediata e contundente. Profissionais da cultura criticaram duramente a decisão, alegando que "nenhum ator, figurinista ou cinegrafista foi contratado" e que a medida é "ofensiva e desrespeitosa com trabalhadores da arte".
Para muitos, existe algo fundamental que não pode ser automatizado: a alma de uma festa popular. A cultura, segundo os críticos, é feita por pessoas e carrega elementos humanos que a tecnologia não consegue replicar de forma autêntica.
As questões éticas em debate
Além dos aspectos econômicos e culturais, surgiram preocupações éticas importantes. Uma das principais críticas é a falta de transparência: muitas pessoas se sentiram enganadas ao descobrir que o conteúdo não era real. Especialistas sugerem que, em breve, será obrigatório por lei identificar claramente quando um conteúdo foi produzido por inteligência artificial.
O paradoxo é evidente: uma cidade promove sua cultura local usando tecnologia que elimina a participação de artistas locais. Essa contradição ilustra os dilemas complexos que surgem com a democratização de ferramentas de criação baseadas em IA.
O outro lado da moeda
Nem todas as reações foram negativas. Parte do público elogiou o resultado, considerando-o "sensacional" e inspirador para outras iniciativas similares. Alguns viram na tecnologia uma forma de democratizar a produção audiovisual, permitindo que organizações com recursos limitados criem conteúdo de qualidade profissional.
Renato Lopes Ferreira, o produtor responsável pelo projeto, admitiu que o processo demandou mais trabalho do que edições convencionais e que não faria isso comercialmente, destacando que sua motivação foi conhecer melhor a ferramenta.
O que esse caso revela sobre o futuro
O episódio de Ulianópolis funciona como um laboratório real para questões que logo se tornarão comuns. Se prefeituras e empresas começarem a adotar massivamente essas tecnologias, qual será o destino das produtoras regionais e dos profissionais criativos locais?
A discussão transcende uma simples festa junina e toca em questões fundamentais sobre o tipo de futuro que queremos construir. É possível que a tecnologia democratize a criação, mas também é necessário considerar seus impactos sociais e econômicos nas comunidades.
Equilibrando tecnologia e humanidade
O caso de Ulianópolis não oferece respostas simples, mas levanta perguntas essenciais sobre como integrar a inteligência artificial na publicidade de forma responsável. A tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para amplificar vozes e democratizar a criação, mas precisa ser implementada com consciência sobre seus impactos nas pessoas e comunidades.
O debate está apenas começando, e cada escolha que fazemos hoje define como essa tecnologia moldará nosso futuro. A questão não é se devemos usar IA na comunicação, mas como fazê-lo de forma que beneficie toda a sociedade, não apenas quem tem acesso às ferramentas mais avançadas.
Fonte: B9