
Música
Inteligência Artificial
A misteriosa banda que conquistou ouvintes sem existir
Descoberta envolvente de música feita por IA com 500 mil ouvintes mensais
02/07/2025, 20:45
Você conhece algum artista que alcançou 500 mil ouvintes mensais no Spotify em apenas algumas semanas? Pois bem, conheça The Velvet Sundown, uma banda que tem dividido opiniões e levantado questões profundas sobre autenticidade na era digital. O que começou como um fenômeno musical rapidamente se transformou em um dos debates mais intrigantes sobre inteligência artificial na música contemporânea.
O fenômeno que surgiu do nada
The Velvet Sundown apareceu no cenário musical em junho de 2025 de forma meteórica. Em apenas 15 dias, a banda lançou dois álbuns completos: "Floating On Echoes" no dia 5 de junho e "Dust and Silence" no dia 20 do mesmo mês. Cada álbum contém 13 faixas de rock psicodélico que remetem aos anos 70, com influências que vão desde Pink Floyd até U2 e Radiohead.
O sucesso foi imediato e impressionante. Em menos de um mês, o grupo acumulou mais de 500 mil ouvintes mensais no Spotify, um feito notável para qualquer artista, especialmente para um que surgiu completamente desconhecido. A música de maior destaque, "Dust on the Wind", sozinha conquistou centenas de milhares de reproduções.
As pistas que despertaram suspeitas
Mas o que realmente chamou atenção não foi apenas o sucesso meteórico da Velvet Sundown. Foram as inconsistências que começaram a surgir quando os ouvintes tentaram descobrir mais sobre os integrantes da banda.
Os quatro membros são apresentados como Gabe Farrow (vocalista e tecladista), Lennie West (guitarrista), Milo Rains (baixista) e Orion 'Rio' Del Mar (percussionista). Porém, não existe qualquer rastro digital desses músicos fora das plataformas de streaming. Não há perfis pessoais, entrevistas anteriores ou histórico musical de qualquer um deles.
O perfil no Instagram da banda, criado há poucos dias, apresenta fotos que claramente foram geradas por inteligência artificial. As imagens mostram traços artificiais evidentes e parecem ser releituras de bandas famosas como Beatles e Queen. Além disso, a biografia da banda no Spotify contém frases suspeitas como "eles soam como a memória de um tempo que nunca existiu".
A análise técnica que revelou a verdade
Especialistas em música, como Rick Beato, conduziram análises técnicas detalhadas das faixas da Velvet Sundown6. Utilizando ferramentas da Apple para separar as faixas instrumentais, Beato descobriu características típicas de música gerada por inteligência artificial.
Diferentemente de músicas criadas por humanos, onde cada instrumento é gravado separadamente e depois mixado, as faixas da Velvet Sundown apresentam instrumentos que "se misturam de forma não natural". Os vocais têm artefatos estranhos e não soam consistentemente como a mesma voz, enquanto as guitarras "morfam estranhamente" com sons sintéticos.
O alerta oficial das plataformas
A confirmação mais contundente veio do Deezer, que recentemente lançou o primeiro sistema global de detecção de música criada por IA. A plataforma adicionou um alerta específico aos álbuns da Velvet Sundown: "Conteúdo gerado por IA. Algumas músicas deste álbum podem ter sido criadas com inteligência artificial".
Isso contrasta com o Spotify, que ainda não implementou sistemas similares de identificação. Dados do Deezer revelam que aproximadamente 18% de todo conteúdo musical enviado diariamente - mais de 20 mil faixas - é 100% gerado por IA.
O impacto econômico da música artificial
O caso da Velvet Sundown ilustra um fenômeno maior que está transformando a indústria musical. Segundo a CISAC, até 2028, quase um quarto da renda global dos músicos pode ser capturada por músicas criadas por IA, representando aproximadamente R$ 120 bilhões.
No modelo atual do Spotify, baseado em "pooling", os rendimentos são distribuídos proporcionalmente conforme o número de reproduções. Isso significa que músicas geradas por IA que acumulam milhões de streams estão efetivamente competindo por recursos que antes eram exclusivos de artistas humanos.
O Deezer identificou que até 70% dos streams de músicas 100% geradas por IA são fraudulentos, criados especificamente para manipular o sistema de royalties. Essa prática prejudica não apenas a remuneração de artistas reais, mas também anunciantes que esperam que seu conteúdo seja consumido por pessoas reais.
A resposta da indústria musical
A crescente presença de IA na música tem gerado reações diversas na indústria. Enquanto alguns veem a tecnologia como uma ferramenta criativa democratizante, outros alertam para os riscos de saturação e desvalorização do trabalho artístico humano.
Plataformas como o Deezer estão tomando medidas ativas, excluindo músicas 100% geradas por IA de suas recomendações algorítmicas e editoriais. O objetivo é preservar tanto a experiência do usuário quanto a remuneração justa dos artistas.
Gravadoras já começaram a processar empresas de IA por uso não licenciado de seus catálogos. Essa situação lembra as primeiras batalhas do streaming, onde a inovação tecnológica correu à frente da legislação.
O debate sobre autenticidade e criatividade
O fenômeno da Velvet Sundown levanta questões fundamentais sobre o que constitui arte autêntica. Se uma música gerada por IA consegue emocionar e conectar com centenas de milhares de ouvintes, ela é menos válida que uma criação humana?
Alguns argumentam que sempre há um elemento humano por trás da IA - alguém que criou os prompts, selecionou os resultados e tomou decisões criativas. Outros defendem que a criatividade genuína requer experiência vivida e emoção humana, elementos que algoritmos não podem replicar.
A questão se torna ainda mais complexa quando consideramos que a IA é treinada com obras humanas existentes. Essencialmente, ela recombina e adapta criações passadas, mas não "inventa" no mesmo sentido que um artista com vivências únicas.
O futuro da música na era da IA
O caso da Velvet Sundown representa apenas o início de uma transformação maior na indústria musical. Com ferramentas como Suno e Udio permitindo que qualquer pessoa crie músicas profissionais em minutos, o volume de conteúdo artificial só tende a crescer.
A indústria está respondendo com soluções tecnológicas e regulatórias. Sistemas de detecção estão se tornando mais sofisticados, e discussões sobre frameworks legais para IA na música estão ganhando impulso.
Para artistas independentes, essa realidade apresenta tanto oportunidades quanto desafios. Por um lado, ferramentas de IA podem democratizar a produção musical. Por outro, eles agora competem com um volume sem precedentes de conteúdo automatizado.
Reflexões sobre um novo capítulo musical
A história da Velvet Sundown nos força a repensar conceitos fundamentais sobre música, autoria e autenticidade. Independentemente de sua origem artificial, a banda conseguiu algo que muitos artistas humanos lutam para alcançar: conectar com meio milhão de pessoas.
Talvez a pergunta não seja se a IA pode fazer música, mas sim como podemos navegar responsavelmente por um futuro onde humanos e algoritmos colaboram na criação artística. O desafio está em preservar a diversidade, criatividade e sustentabilidade econômica que fazem da música uma forma de arte tão poderosa.
A Velvet Sundown pode não existir no sentido tradicional, mas seu impacto na discussão sobre o futuro da música é muito real. E isso, por si só, já é uma forma de arte - mesmo que não seja exatamente a que esperávamos.
Fonte: Tecnoblog | Olhar Digital | O Globo | Veja