Você já notou que sua tela inicial do YouTube está repleta de vídeos de história com títulos como "História Medieval Entediante para Dormir" ou "Como Camponeses Sobreviviam ao Inverno"? Esses vídeos de história gerados por IA estão se multiplicando na plataforma com velocidade alarmante, acumulando milhões de visualizações e criando um verdadeiro dilema para historiadores profissionais.

O fenômeno dos canais de história artificial

Vídeos de história gerados por IA começaram a aparecer massivamente no YouTube em 2025, com canais como "Sleepless Historian", "Boring History Bites" e "The Snoozetorian" liderando essa tendência. O canal Sleepless Historian, por exemplo, já acumula mais de 614 mil inscritos e vídeos com mais de 2,3 milhões de visualizações. Esses conteúdos são criados inteiramente por inteligência artificial, desde o roteiro até as imagens e narração.

A estratégia é sedutora: vídeos de 2 a 4 horas de duração sobre temas históricos narrados com vozes sintéticas em sotaque britânico, projetados especificamente para ajudar pessoas a adormecer.

Mas há um problema grave: muitos desses vídeos contêm imprecisões históricas significativas e informações superficiais retiradas da internet sem verificação acadêmica.

Pete Kelly e a revolta dos historiadores profissionais

Pete Kelly, criador do popular canal "History Time" com mais de 1,2 milhão de inscritos, expressa sua indignação com esse fenômeno. "É completamente chocante para mim", afirma Kelly em entrevista ao 404 Media. "Costumava ser suficiente passar a vida inteira pesquisando, escrevendo, narrando e editando para fazer um vídeo, mas agora alguém pode fazer a mesma coisa em um dia em vez de seis meses, e os vídeos não são precisos".

Kelly dedica meses a cada produção, lendo cerca de 20 livros e artigos acadêmicos, além de visitar sites arqueológicos pessoalmente para garantir precisão histórica. Esse rigor contrasta drasticamente com os vídeos de história gerados por IA, que simplesmente regurgitam informações encontradas online sem qualquer verificação ou contexto acadêmico.

Como a IA está reescrevendo a história

O problema vai além da competição desleal. Esses vídeos de história gerados por IA estão literalmente reescrevendo a compreensão histórica das pessoas, apresentando versões simplificadas e muitas vezes incorretas do passado. Como explica Kelly: "Quando estou pesquisando algo, vou direto aos periódicos acadêmicos e livros offline. Mas esses vídeos de IA apenas repetem coisas da internet, e só porque está na internet não significa que é preciso".

As consequências são preocupantes. Milhões de espectadores estão consumindo conteúdo histórico impreciso, criando uma versão distorcida dos eventos passados.

Além disso, historiadores profissionais relatam quedas significativas em suas visualizações, coincidindo exatamente com o surgimento desses canais automatizados.

YouTube promete ação, mas eficácia é questionável

Em julho de 2025, o YouTube atualizou suas políticas de monetização para combater conteúdos "massificados" e repetitivos. A plataforma agora classifica vídeos de história gerados por IA como "conteúdo não original" e potencialmente inelegível para monetização. As novas diretrizes entraram em vigor em 15 de julho de 2025.

No entanto, nenhum dos criadores entrevistados notou mudanças significativas na proliferação desses vídeos. O algoritmo do YouTube continua favorecendo esse tipo de conteúdo devido à sua longa duração e alta frequência de postagem, características que o sistema interpreta como engajamento elevado.

O impacto nos criadores autênticos

Historiadores como Pete Kelly precisaram adaptar suas estratégias para competir com máquinas. Kelly adicionou disclaimers em seus vídeos esclarecendo que "nenhuma IA é usada neste canal" e começou a aparecer mais nas gravações para provar sua humanidade. "As pessoas ouvem a narração em terceira pessoa e assumem que é IA agora, e isso é desanimador", lamenta.

Outros criadores estão migrando para plataformas alternativas. Canais como Ancient Americas e The French Whisperer diversificaram para Patreon, Spotify e Apple Podcasts, onde o "slop de IA" ainda não contaminou o ambiente.

O futuro da história no YouTube

Vídeos de história gerados por IA representam um desafio fundamental para a educação histórica online. Embora as ferramentas de inteligência artificial possam ser úteis para criadores legítimos, seu uso indiscriminado para produção em massa está prejudicando a qualidade do conteúdo histórico disponível.

Os historiadores profissionais acreditam que a qualidade eventualmente prevalecerá, mas reconhecem que competir contra computadores torna muito mais difícil para novos criadores entrarem no mercado. Como observa Kelly: "Quando comecei, estava competindo apenas contra outros humanos. Não sei realmente como você pode competir contra computadores".

A situação exige vigilância constante dos espectadores, que devem buscar fontes com bibliografias verificáveis e evitar conteúdo que parece bom demais para ser verdade. Afinal, a história é complexa demais para ser reduzida a algoritmos e vozes sintéticas.