Quando Sarah Ezekiel perdeu a fala aos 34 anos, poucos meses após o nascimento do segundo filho, o silêncio virou rotina. Por mais de duas décadas, Aviva e Eric só conheceram a mãe por uma voz metálica de computador. Em 2025, tudo mudou: ao ouvir sua própria fala novamente, Sarah disse que “deu vontade de chorar”. Para uma família, isso soou como identidade devolvida.

Voz recriada por IA: no início, parecia impossível tirar algo nítido de uma fita VHS antiga com apenas oito segundos de áudio. Mesmo assim, um time de tecnologia assistiva e uma plataforma de síntese de voz conseguiram reconstruir o timbre, o sotaque cockney e até um leve ceceio de Sarah — o suficiente para que os filhos reconhecessem “a mãe de verdade”.

Como 8 segundos de uma fita antiga viraram uma voz

A fita esgarçada foi o ponto de partida. A empresa britânica Smartbox, especializada em comunicação aumentativa e alternativa (AAC), isolou o áudio e o combinou com modelos de síntese da ElevenLabs para preencher lacunas e gerar uma voz contínua e natural. O trabalho integrou o resultado ao software Grid, usado por quem depende de rastreamento ocular para se comunicar. O processo preservou traços pessoais — ritmo e entonação — que dão sensação de presença nas conversas.

“É uma espécie de milagre”: o impacto na família

O retorno da fala não foi só técnico; foi afetivo. Depois de 25 anos, os filhos ouviram a mãe como ela era antes da doença do neurônio motor (ELA). Sarah descreveu emoção e alívio; já a família relatou surpresa ao reconhecer o sotaque e a maneira de dizer as palavras. Esse encontro auditivo fortaleceu vínculos que, por muito tempo, dependeram de uma locução robótica.

O que é voice banking e por que agir cedo

A história de Sarah ganha contexto com o “voice banking”, prática de gravar frases para criar uma voz sintética personalizada — algo comum para pessoas com ELA. Organizações como a MND Association recomendam iniciar esse processo o quanto antes, quando a fala ainda está clara, pois isso aumenta a qualidade do resultado final e dá mais autonomia caso a fala natural se perca.

Imagem: bbc.com | Sarah Ezekiel teve o primeiro contato com a tecnologia de rastreamento ocular em 2005.

Tecnologia assistiva que já está na rua

Parcerias recentes tornaram esse tipo de voz mais acessível em dispositivos e apps usados no dia a dia por quem depende de AAC. A Smartbox afirma atender “dezenas de milhares de pessoas” com o Grid; o acordo com a ElevenLabs via Impact Program adiciona vozes mais naturais — e, em alguns casos, a própria voz reconstruída do usuário — ao ecossistema. Isso reduz o estranhamento de falar “como um robô” e melhora a qualidade das interações.

Imagem: bbc.com | Sarah escreve as palavras que quer dizer antes de pronunciá-las com a nova voz.

Privacidade, consentimento e limites éticos

Clonar timbres humanos exige salvaguardas: autorização explícita do titular, armazenamento seguro e uso restrito. Iniciativas focadas em impacto social, como o programa da ElevenLabs em parceria com a Smartbox, direcionam o recurso a quem perdeu a fala por condições médicas, priorizando identidade e dignidade de pacientes. Ainda assim, o avanço pede políticas claras para evitar usos indevidos fora do contexto assistivo.