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Registros de termos técnicos afetam designers brasileiros
Polêmica no design brasileiro expõe conflito entre propriedade intelectual e espírito colaborativo da área
22/08/2025, 11:45
A comunidade brasileira de design enfrenta um cenário que expõe um conflito profundo entre direitos de propriedade intelectual e o espírito colaborativo que sempre caracterizou a área. Recentemente, casos envolvendo profissionais renomados como Andrei Gurgel e Richard de Jesus trouxeram à tona uma realidade incômoda: alguns designers estão utilizando registros de termos e conceitos para restringir o uso de palavras que deveriam pertencer ao vocabulário comum da profissão.
O que está acontecendo na comunidade de design?
Processos judiciais envolvendo termos de design no Brasil, criando uma atmosfera de tensão entre profissionais que antes compartilhavam conhecimento livremente. O caso mais emblemático envolve Andrei Gurgel, autor reconhecido na área de design participativo, que foi intimado a parar de usar o termo "Codesigners" em seus livros e publicações.
Gurgel, que desenvolveu anos de pesquisa e experiência sobre o conceito de design colaborativo, teve que retirar seus livros de circulação - incluindo traduções para espanhol e inglês - após um processo judicial movido por outro designer que registrou uma variação do termo. A situação se torna ainda mais complexa quando consideramos que o design participativo é uma metodologia amplamente estudada e praticada globalmente, não sendo propriedade exclusiva de uma única pessoa.
Paralelamente, Richard de Jesus, conhecido por seu trabalho com vieses cognitivos aplicados ao design, também enfrentou processo similar relacionado ao uso do termo "Enviesados". O designer, que há anos palestrava sobre o tema e já havia desenvolvido produtos e cursos na área, se viu obrigado a defender seu direito de usar uma palavra que faz parte do vocabulário técnico da disciplina.
A perspectiva e controvérsia
Essas ações representam uma "imbecilidade" que vai contra os valores fundamentais da comunidade de design.
O designer destaca que essa prática "quebra o que a gente constrói com foco em compartilhar", minando anos de construção de uma comunidade baseada na colaboração.
O fato de que essas ações parecem estar motivadas puramente por interesses financeiros, não por uma legítima proteção de propriedade intelectual. "Na verdade, o interesse não é compartilhar, não é fazer essa questão mais democrática de ensino, não é ganhar em cima ou proteger o patrimônio. É isso, se resume a isso".
O impacto no compartilhamento de conhecimento
A apropriação de termos técnicos na área de design cria um precedente perigoso que pode inibir a educação e a disseminação de conhecimento. Conceitos como design thinking, já foram alvo de tentativas similares de apropriação no passado, demonstrando que essa não é uma questão isolada.
Quando profissionais registram termos que fazem parte do vocabulário técnico estabelecido, criam-se barreiras artificiais ao ensino e à prática profissional. Educadores ficam receosos de usar terminologias que sempre foram consideradas de domínio público, enquanto estudantes e novos profissionais podem ser privados do acesso a conceitos fundamentais.
A situação se torna ainda mais grave quando consideramos que muitos desses termos têm origem em pesquisas acadêmicas e práticas desenvolvidas por múltiplos profissionais ao longo do tempo. O design participativo, por exemplo, é uma metodologia que surgiu de décadas de evolução teórica e prática, não sendo criação exclusiva de uma única pessoa.
Propriedade intelectual vs. Colaboração
É importante distinguir entre proteção legítima de propriedade intelectual e apropriação indevida de termos técnicos. A legislação brasileira oferece diversos mecanismos para proteger criações intelectuais, incluindo direitos autorais, patentes e registro de marcas.
No caso específico do design, existe o registro de desenho industrial para proteger aspectos visuais e ornamentais de produtos. Para obras autorais, como livros e métodos de ensino, os direitos autorais oferecem proteção adequada sem necessidade de registro prévio.
Contudo, a tentativa de apropriar-se de termos técnicos estabelecidos vai além da proteção legítima, adentrando o território da concorrência desleal e do aproveitamento parasitário do conhecimento coletivo.
Existe diferença fundamental entre proteger uma criação genuína e simplesmente registrar um termo para impedir que outros o utilizem.
O papel da comunidade na defesa do conhecimento livre
A reação da comunidade de design a esses casos tem sido predominantemente negativa, com profissionais se posicionando contra a mercantilização de termos técnicos. A comunidade deve ficar atenta a quem segue e admira, questionando se certas "referências" estão genuinamente interessadas em contribuir para a área ou apenas em benefício próprio.
Essa vigilância coletiva é fundamental para preservar os valores de colaboração e compartilhamento que sempre caracterizaram a comunidade de design. Profissionais consolidados têm a responsabilidade de liderar pelo exemplo, demonstrando que é possível ter sucesso profissional sem prejudicar colegas ou restringir o acesso ao conhecimento.
A criação de redes de apoio e a divulgação de casos problemáticos também são estratégias importantes para desencorajar práticas predatórias. Quando a comunidade se une para questionar ações questionáveis, cria-se um ambiente menos favorável para quem busca se beneficiar indevidamente do conhecimento coletivo.
Perspectivas para o futuro
O momento atual representa uma encruzilhada para a comunidade de design brasileira. Por um lado, o crescimento da área e sua maior valorização no mercado aumentam as tentações de monetizar aspectos que antes eram considerados patrimônio comum. Por outro, existe uma oportunidade de reafirmar os valores fundamentais da profissão e estabelecer precedentes positivos.
A solução passa por encontrar um equilíbrio que proteja genuínas inovações sem restringir o uso de terminologias técnicas estabelecidas. Isso requer tanto mudanças na forma como a propriedade intelectual é aplicada na área quanto uma postura mais consciente por parte dos profissionais.
Iniciativas educativas sobre propriedade intelectual aplicada ao design podem ajudar profissionais a entender melhor seus direitos e responsabilidades. Ao mesmo tempo, a comunidade precisa desenvolver mecanismos mais eficazes para identificar e combater tentativas de apropriação indevida de conhecimento coletivo.
Construindo uma comunidade mais forte e colaborativa
O cenário atual pode se transformar em oportunidade para fortalecer os laços da comunidade de design e reafirmar seus valores fundamentais.
È momento de "tirar o pó, fazer terapia, olhar pra frente e continuar fazendo aquilo que amamos e que está em nossa essência: compartilhar pra crescer juntos"
Isso significa desenvolver uma cultura profissional que valorize tanto a inovação quanto a colaboração, onde proteger criações legítimas não signifique restringir o acesso ao conhecimento. Profissionais experientes têm papel crucial nesse processo, servindo como mentores e exemplos para as novas gerações.
A preservação do espírito colaborativo da área de design é fundamental não apenas para o desenvolvimento individual dos profissionais, mas para a evolução da disciplina como um todo. Quando conhecimento flui livremente, todos se beneficiam: estudantes têm acesso a conceitos fundamentais, profissionais podem desenvolver suas habilidades e a própria área avança mais rapidamente.
Neste momento desafiador, a comunidade de design brasileira tem a oportunidade de demonstrar sua maturidade e reafirmar seu compromisso com valores que sempre a diferenciaram: colaboração, compartilhamento e crescimento coletivo.