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A arte de nomear com desconforto
David Placek criou nomes bilionários como Azure e BlackBerry através do simbolismo sonoro e processo
07/08/2025, 13:15
Existe uma ciência por trás dos nomes que valem bilhões de dólares. David Placek, fundador da Lexicon Branding, descobriu que os nomes mais valiosos nascem de um processo contra-intuitivo: o desconforto. Responsável por criar marcas icônicas como Azure, Sonos, BlackBerry, Pentium e Swiffer, Placek desenvolveu uma metodologia que transforma simples palavras em ativos bilionários.
Como nasceu o especialista em naming
A jornada de David Placek começou na UCLA, onde se formou em ciências políticas. Após trabalhar na campanha senatorial de Warren Hearnes em 1976, mudou-se para São Francisco e ingressou na agência Foote, Cone & Belding, focando na conta da Levi Strauss. Foi ali que percebeu o poder dos pequenos grupos criativos.
Em 1982, Placek fundou a Lexicon Branding em Sausalito, Califórnia. O nome da própria empresa já demonstrava sua compreensão do simbolismo sonoro - "Lexicon" evoca as leis que regem a linguagem (Léxico). Ao longo de 40 anos, sua equipe nomeou quase 4.000 marcas e empresas, empregando mais de 250 linguistas e pioneiros em inovação de naming.
O processo revolucionário de três etapas
Criação, avaliação e implementação formam o núcleo da metodologia da Lexicon. O primeiro passo envolve expandir o universo de possibilidades através de técnicas como mapeamento de palavras-chave, associação livre e simbolismo sonoro.
Na etapa de avaliação, cada nome passa por rigorosos testes linguísticos, análises de marca registrada e pesquisa com consumidores. Os nomes são testados globalmente para garantir que não tenham conotações negativas em diferentes culturas e idiomas.
A implementação final inclui a criação do Diamond Framework - um processo de quatro etapas que qualquer fundador pode usar: definir o comportamento da marca, identificar a mudança desejada no mercado, mapear o território emocional e criar o nome que conecta tudo.
Por que o desconforto gera energia criativa
Placek descobriu um padrão intrigante: os nomes mais bem-sucedidos inicialmente causam desconforto nas equipes. "Se sua equipe está confortável com um nome, provavelmente você ainda não encontrou o nome certo", explica o especialista.
O caso do Azure ilustra perfeitamente esse princípio. Quando a Microsoft procurou a Lexicon, eles queriam um nome que começasse ou terminasse com "cloud". Placek rejeitou a abordagem: "Se vocês fizerem isso, vão se perder em um oceano de outros 'cloud isso, cloud aquilo'. Vocês têm a oportunidade de emergir como líderes"
Internamente na Microsoft, muitos executivos chamaram Azure de "um nome idiota" antes de se tornar a plataforma de nuvem bilionária da empresa. Essa resistência inicial, segundo Placek, é o sinal mais forte de que você encontrou o nome certo.
A ciência do simbolismo sonoro aplicada
Cada letra do alfabeto cria uma vibração psicológica específica. O simbolismo sonoro não é apenas teoria - é uma ciência linguística que estuda como os sons transmitem dados sobre tamanho, distância, intensidade, formato e textura.
Pesquisas como o famoso estudo de Edward Sapir em 1929 demonstram que palavras com sons de "i" são naturalmente associadas a objetos pequenos, enquanto sons de "a" e "o" evocam objetos maiores e mais pesados. A Lexicon utiliza esses princípios para criar nomes que comunicam inconscientemente os valores desejados da marca.
O nome Sonos exemplifica essa aplicação prática. Como palíndromo (lê-se igual de trás para frente), sugere harmonia e equilíbrio. As consoantes "s" e "n" criam uma sonoridade fluida que evoca ondas sonoras, enquanto as vogais "o" transmitem profundidade e qualidade.
Casos que definiram uma indústria
BlackBerry nasceu da necessidade de amenizar o estresse da comunicação móvel. Durante pesquisas com passageiros de balsa em Sausalito, a equipe notou que as pessoas ficavam tensas quando falavam sobre e-mail e pagers. A estratégia foi simples: como amenizar essa pressão através de um nome? Frutas frescas surgiram como território, levando ao BlackBerry - que combinava a cor do dispositivo com sons fortes e memoráveis.
Pentium emergiu de uma batalha interna na Intel. Quando apresentado ao comitê executivo, a sala se dividiu entre os que preferiam o seguro "Pro Chip" e aqueles atraídos pelo ousado Pentium. O CEO Andy Grove reconheceu que a polarização era exatamente o que eles precisavam para se destacar no mercado.
Swiffer transformou limpeza doméstica ao sugerir leveza e eficiência através do som. A combinação das consoantes "sw" com a terminação "er" cria a sensação de movimento fluido, enquanto o duplo "f" adiciona força e impacto.
O framework diamante para empreendedores
Placek desenvolveu uma ferramenta acessível para fundadores criarem seus próprios nomes valiosos. O Diamond Framework funciona em quatro etapas estruturadas:
Definir comportamento de marca: Como você quer que sua marca se comporte no mercado? Disruptiva, confiável, inovadora ou acessível?
Identificar a mudança desejada: Que transformação você quer criar na mente dos consumidores ou no setor?
Mapear território emocional: Quais sensações e emoções você quer despertar através do nome?
Conectar através do nome: Criar o nome que une comportamento, mudança e emoção em uma palavra poderosa.
Por que domínios não importam mais
Em uma reviravolta surpreendente, Placek afirma que domínios .com perderam relevância na era da inteligência artificial.
"Quando as pessoas buscam sua marca, elas usam Google ou fazem perguntas para assistentes de IA. O domínio específico se tornou secundário ao reconhecimento da marca", explica.
Essa mudança liberta empreendedores da limitação de disponibilidade de domínios, permitindo focar na força intrínseca do nome. Marcas como Vercel e Windsurf exemplificam essa nova realidade - nomes poderosos que transcendem a necessidade de domínios óbvios.
A linguística cognitiva por trás dos nomes
A Lexicon investe pesadamente em linguística cognitiva para fundamentar suas criações. Utilizando conceitos como metonímia conceitual e modelos cognitivos idealizados, a empresa desenvolve nomes que se conectam naturalmente com os padrões mentais dos consumidores.
Metonímias - onde uma parte representa o todo - são especialmente poderosas no naming. BlackBerry utiliza a fruta para representar toda a experiência de comunicação móvel. Azure usa o azul do céu para simbolizar a vastidão e confiabilidade da computação em nuvem.
Esses processos cognitivos não são acidentais. São resultados de décadas de pesquisa sobre como o cérebro processa e armazena informações sobre marcas.
Lições práticas para criar nomes impactantes
O trabalho de Placek revela princípios aplicáveis a qualquer processo de naming. Primeiro, evite nomes descritivos óbvios - eles se perdem na multidão. Segundo, procure polarização nas opiniões da equipe - consenso fácil geralmente indica nome genérico.
Terceiro, teste globalmente desde o início. Um nome pode soar perfeito em português mas ter conotações negativas em outros idiomas. Quarto, invista em pesquisa linguística - compreender como os sons afetam percepção pode ser o diferencial entre um nome comum e um ativo bilionário.
Finalmente, aceite o desconforto inicial. Os nomes mais valiosos raramente geram aprovação imediata. Como Placek observa: "Você não vai 'saber quando vir'. Apesar do que todo fundador acredita, em 4.000 projetos de naming, os clientes essencialmente nunca têm aquele momento eureka instantâneo".
A arte de nomear transcende criatividade pura. É uma ciência que combina linguística, psicologia cognitiva e estratégia de marca. David Placek provou que quando o processo é executado corretamente, uma simples palavra pode valer bilhões de dólares e definir categorias inteiras de produtos.
Fonte: Lenny's Newsletter